sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

cutícula

Enquanto mordia a cutícula no canto do polegar da mão direita, Eros nem imaginava que, em São Paulo, enxugando uma garrafa de Porto, Luísa pensava nele. A cutícula dava trabalho. O relevo sinuoso das veias na mão de Eros. A mãos enormes de Eros. Luísa tomava mais um gole. Eros jamais soube exatamente porque suas mãos causavam tanto impacto entre as mulheres. De fato, mãos grandes. Enormes. Quase desproporcionais. Eros lutara caratê na adolescência, e se lembra de esmurrar a superfície de tábuas de madeira, sob as ordens de seu mestre, e de cultivar calos de respeito nos nós dos dedos. Hoje não há sombra dos calos e suas mãos são bem cuidadas. Depois que conheceu a paulistana, tão apaixonada por suas mãos, passou a freqüentar salões de beleza, onde fazia as unhas não só das mãos, como também dos pés, com profissionais cuidadosas. Em casa, usava cremes estrangeiros, que ganhava de seus colegas dos vôos internacionais. Mesmo assim, agora, sem saber porque, Eros devorava sem pudor o canto da cutícula do polegar, além de um naco de unha, estragando o conjunto tão bem tratado. Em São Paulo, já no começo da madrugada, Luísa lamentava o fim da garrafa e sorria para a amiga, que ouvira já tanto sobre o tal Eros. Ela queria um beijo. Precisava tanto de um beijo de Eros. Foram amigos? Quando viu aquelas mãos enormes e o peitoral liso, sem falar nos olhos de Eros, na fila do check-in no aeroporto de Ilhéus, engoliu todas as reclamações que começava a fazer sobre a companhia aérea e, enfim, se apaixonou. Já se apaixonara muitas vezes. Muitos foram seus amantes e, embora jovem, conhecia bem o seu corpo e como conduzir o corpo de seus amantes, não importa o grau de perícia, desejo, ansiedade que eles porejassem. Eros. Ele cospe a cutícula na pia e olha o espelho do banheiro. Mais cabelos brancos. O tempo construindo suas teias. Eros estende as mãos enormes sobre o rosto. O manto grosso, de veias salientes, cobre toda sua cara. Ele suspira. Totalmente bêbada, em São Paulo, Luísa promete que, amanhã, voltará à casa da amiga com duas garrafas de Porto. Ou mais.

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