sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
85 anos de histórias para não lembrar - Por Ana Cláudia Faccin
Lá estavam três gerações. Era o vô Jayme, meu pai e eu. O vô estava deitado numa cama hospitalar. Meu pai ao lado dele segurando sua mão e eu aos pés da cama, sentada numa poltrona. Na parede, um quadro do vô Jayme com uma risada gostosa e pernas cruzadas, como ainda posso me lembrar... do lado esquerdo do quarto aparelho de drenar secreção do pulmão e do outro aqueles negócios de pendurar soro. Não conheço os termos técnicos, mas não é nada demais.Pois estávamos nós três. Na tentativa de tirar alguma palavra do vô Jayme, apertei seu nariz e disse: "piiiiiiiiii...". Eu queria que ele respondesse "poca" como sempre fazia, aliás, como ele mesmo um dia me ensinou. Pois bem, apertei seu nariz e disse "piiiiiiiii..." e ele, nada. Mais uma vez: ele sorriu. Mais um "piiiiii" e ele soltou outro "piiiiii".- Não, vô. É pra você falar "poca". Daí fica "pipoca", entendeu? - Disse isso mas na verdade não adiantou nada, porque ele se esquece de tudo num minuto. Voltei a me sentar.Daí foi a vez do meu pai contar uma história pra ele: "Pai, tinha um vendedor de amendoim muito preguiçoso e todos os dias ele ia na porta da igreja e esperava o padre dizer AMÉM, e ele dizia....ele dizia....". Era pro meu vô falar "DOIM", mas ele não falou nada. Essa era uma história que meu avô contou pro meu pai e por consequencia eu também conheci de tanto que meu avô nos contava.Eu, sentada na poltrona pude assistir a cena de camarote. Meus pensamentos voaram pra longe e fiquei imaginando meu pai pequeno e meu avô sentado em sua cama, contando-lhe uma história. E qualquer semelhança pode até ser mera coincidência, mas meu pai estava ao lado da cama dele contando-lhe uma história. Era uma cena bonita de se observar, talvez apenas como um mero espectador. Não sei se como personagem principal o belo se transforma em tristeza. Bom, dizem por aí que não haveria a poesia se não houvesse a dor, tampouco a luz sem o escuro. No entanto, me sinto como personagem secundária e mesmo assim não sei explicar o que sentia naquele momento. Era um misto de tudo e de amor, se é que posso ser compreendida.Ao sair, beijei a testa do vô Jayme e eis que para minha surpresa ele me perguntou: "Onde você vai?", e eu respondi: "passear, quer ir?". Ele me respondeu: "Não...não"Virei as costas, apagamos e luz e saimos
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Olá Ana!
ResponderExcluirQue belo texto. Apesar de ser triste, porque não é fácil ver alguém que amamos esquecer de coisas tão importantes de sua vida. Porém, vejo que você conduzida pela sua imaginação trouxe para a cena o brilho da relação entre pai e filho. Tem coisa mais bonita?
Lembrei do filme o Filho da Noiva, imaginei um vô igual ao pai do filho da noiva. Doce e puro.
Bjs e valeu pelo blog- ñ esqueça de assistir o signo da cidade.